Vêm Quatro Cavaleiros cantando, os quais trazem cada um a Cruz de Cristo, pelo qual Senhor e acrescentamento de Sua santa fé católica morreram em poder dos mouros. Absoltos a culpa e pena per privilégio que os que assim morrem têm dos mistérios da Paixão d'Aquele por Quem padecem, outorgados por todos os Presidentes Sumos Pontífices da Madre Santa Igreja. E a cantiga que assim cantavam, quanto a palavra dela, é a seguinte:
Cavaleiros —À barca, à barca segura,
barca bem guarnecida,
à barca, à barca da vida!
Senhores que trabalhais
pela vida transitória,
memória , por Deus, memória
deste temeroso cais!
À barca, à barca, mortais, ]
Barca bem guarnecida,
à barca, à barca da vida!
Vigiai-vos, pecadores,
que, depois da sepultura,
neste rio está a ventura
de prazeres ou dolores!
À barca, à barca, senhores,
barca mui nobrecida,
à barca, à barca da vida!
E passando per diante da proa do batel dos danados assim cantando, com suas espadas e escudos, disse o Arrais da perdição desta maneira:
Diabo — Cavaleiros, vós passais
e nom perguntais onde is?
1º CAVALEIRO — Vós, Satanás, presumis?
Atentai com quem falais!
2º CAVALEIRO — Vós que nos demandais?
Sequer conhecermos bem:
morremos nas Partes d'Além,
e não queirais saber mais.
Diabo — Entrai cá! Que cousa é essa?
Eu nom posso entender isto!
Cavaleiros —Quem morre por Jesus Cristo
não vai em tal barca como essa!
Tornaram a prosseguir, cantando, seu caminho direito à barca da Glória, e, tanto que chegam, diz o Anjo:
Anjo — Ó cavaleiros de Deus,
a vós estou esperando,
que morrestes pelejando
por Cristo, Senhor dos Céus!
Sois livres de todo mal,
mártires da Santa Igreja,
que quem morre em tal peleja
merece paz eternal.
E assim embarcam.